A Propriedade
Parte 1
Debaixo de uma pesada chuva o
cavalo relinchava e evitava veemente a entrar na propriedade. Enfrente a
porteira já aberta, Empinava e debatia as pernas no ar, fazendo chacoalhar toda
a charrete. Nela estavam, o padre com seu grande crucifixo a vociferar:
- Vá de retro Satanás, Jesus está aqui, ele te manda ir
embora, o sangue do senhor tem poder.
Acompanhado do capataz Nestor que empunhava uma espingarda e
Agenor, o proprietário. Depois de muito transtorno, desistiram de tentar
convencer o cavalo a seguir, decidiram descer e ir a pé.
Era uma
casa grande, antiga, rústica, toda pintura manchada pelo tempo, a chuva e o
sol. Eram três da madrugada quando já estavam porta adentro, uma grande sala
oval iluminada apenas pela luz de um lampião, se projetava a frente. Tudo era
muito silencioso, exceto pelo barulho da chuva, que a essa altura desabava.
Enfim o silêncio é quebrado por Agenor, e apontando para uma janela sussurrou:
-Foi ali, que apareceu.
- Era um velho você me disse? Perguntou o Padre.
- Sim, com uma espessa barba branca. Completou Agenor.
- Bem, por hora só poderemos benzer e esperar que não reapareça,
Nestor pegue a água benta.
Parecendo
entrar em um transe, o Padre rezava algo que parecia ser em latim, e jogava
água por todo entorno da sala com seu aspersório.
- Foi no quarto da frente que ele apareceu hoje. Balbucia
Agenor.
Então segue para o quarto e
repete a operação, depois reproduz o processo por toda casa. Pega seu crucifixo
entrega a Agenor e diz:
- Coloque-o no centro da casa.
Parte 2
Dormiam
tranquilamente como em qualquer outro dia na casa do sítio recém comprado, já
era tarde da noite quando foram acordados por grandes estalos vindos do teto,
intercalados por alguns segundos, depois os intervalos foram diminuindo, e logo
todo o teto da velha casa estava estremecendo violentamente. Agenor e Anna,
apressadamente saem correndo apavorados pelo cômodo, quando avistam no canto do
quarto a figura do velho, entraram no quarto das crianças e as tiraram da cama
com pressa, ao passarem pela sala para saírem da casa veem de novo a forma do
velho na janela da grande sala oval. Agenor corre ao paiol, retira a charrete
apressadamente, muito rápido acopla a um dos cavalos, todos agitados, sobe a
mulher e os filhos, e dispara em direção a cidade.
Rasgam as estradas de terra sugando toda a
energia do animal. Ao entrarem no povoado se encaminham direto para a cassa
paroquial localizado aos fundos da pequena igreja da cidade. Eram vários
dormitórios individuais divididos entre padres, diáconos, noviços e outros
membros da igreja, do outro lado ficava o dormitório feminino. O último era o
quarto do Padre Cesariano, Mon. Senhor da vila. Batem apavoradamente em sua
porta. Quando a porta se abre, ainda sonolento o Padre boceja:
-O que foi filhos?
- Aconteceu de novo padre. Diz
Anna apressadamente.
- O velho, o telhado, tudo de
novo. Complementa Agenor.
- Entrem, por favor.
Cesariano acendeu o lampião e
pediu para se sentarem. Era um pequeno cubículo, mas havia um sofá espremido no
canto, onde sentaram-se. Então O padre em voz baixa e muito sério Diz:
-Tem algo aqui, sentado na cama, posso sentir. Quem é você?
- A corda. Responde uma voz tuberculosa.
Agenor e Ana estavam quase em estado de choque,
completamente pálidos.
-Que corda? pergunta rispidamente Cesariano.
- Eu segui eles, sabia que viriam aqui. Padre me ajude,
preciso enforcar o pequeno John, retruca a mesma voz. Preciso de paz.
Após um período de silêncio:
- Acho que ele se foi, espere, não vá agora. Não está mais
aqui. Anunciou o Padre.
Atônitos,
Agenor e Anna se entreolharam, depois fixaram em Cesariano, esperando algum
comentário. Este apenas Falou:
-Vamos até suas terras Agenor. Anna e as crianças ficam, vamos
você, eu e o capataz, chame-se Nestor, vou chama-lo.
Saiu pela porta e pouco depois volta com um negro forte, de
uns quarenta anos. Se apresentam. Então Nestor perguntou com sua simploriedade
caipira:
- Tem fantasma lá.
- Não seja rude, não vê que que sua família sofre. Alerta o
padre.
- Discurpa. Diz sem jeito.
Se acomodam na charrete e partem
para o sítio, em vinte minutos estavam na entrada da propriedade, o cavalo pula
esbraveja mas, não ultrapassa a linha da porteira de forma alguma. Algo o
impede de entrar. Nestor pega a espingarda, o padre aperta o crucifixo contra o
peito, Agenor todo cagado (metaforicamente) e descem da charrete.
Parte 3
Agenor colocou o crucifixo no
canto da sala pendurado em um prego, onde calculou mais ou menos o que deveria
ser o centro da casa, como o indicado pelo padre. “Vamos benzer o lado de fora”
informa cesariano. Se encaminha direto para o paiol, rezando e jogando água,
benze suas extremidades e apontando para uma benfeitoria a sua frente perguntou:
- É um celeiro?
- Sim, o corretor disse que precisa de reparos, como mudamos
pra cá fazem poucos dias, não tive tempo de olha-lo ainda. Então sugere “vamos
lá”.
Com algum esforço conseguiram
abrir a porta emperrada do celeiro. Ao entrarem não ponderam acreditar no
horror que viram, um fedor inconcebível tomava conta do ambiente, fazem força
para não vomitarem, quatro corpos pendurados pelo pescoço cada um a uma corda, suspensas,
amarradas a vigas do celeiro. Todos enforcados,
em estado de putrefação com bigatos e varejeiras. Pasmo o Padre analisa:
-Este de ser o velho barbudo. Diz apontando para um corpo
mais robustos, ainda podia se distinguir a sua barba. E continua:
-E Este. Apontando para um outro. Provavelmente sua mulher,
e esses dois menores seus filhos.
-Meu Deus! O Que vamos fazer? Fala Agenor visivelmente
atordoado.
- Acho que podemos resolver seu problema Agenor, se
retirarmos esses corpos e dermos um enterro descente a essas pobre almas,
poderão descansar em paz e se desapegarem deste mundo. Um sonoro e raivoso “Não”
surgiu no fundo do celeiro, ao olharem na direção viram a forma do velho, uma
figura embasada, realmente não era desse mundo.
-Preciso enforcar o pequeno John, mas não consigo achar
minha corda.
-Quem é John? Pergunta o padre.
- meu filho caçula só falta ele.
-Como vai matá-lo se você já está morto.
- Ele também precisa descansar, preciso acabar com esses
tormento.
-você enforcou todos eles?
-Onde diabos está a minha corda, só preciso encontrá-la e ir
buscar o John. Diz o velho com amargura e sem responder a pergunta.
- Onde está John? Arrisca o Padre.
- Fugiu para mata, sempre se escondendo aquele moleque.
Resmunga o velho.
Então,
ao se encaminharem o para a pequena mata que ficava a uns cem metros da casa, o
padre falou “Quem essa gente? Será que alguém os conhece? não sabia que a
antiga propriedade do velho Yago havia sido vendida antes vocês comprarem, pelo
o que eu saiba, ela estava abandonada havia pelo menos trinta anos antes de vocês
comprarem”. Ao adentarem percebem que ali é praticamente uma mata fechada,
intocada e de difícil o acesso. Com dificuldade vasculharam a área, após cerca
de vinte minutos. De repente Agenor deu um grito chamando os outros. A sua
frentes estava caído no chão o corpo de uma criança, também em putrefação. “Vamos
leva-lo” diz o Padre, Agenor se apressa, tira o seu casaco envolveu a criança,
e voltaram ao celeiro.
Ao
entrarem no celeiro, percebem que o velho ainda estava ali, ao ver os três mais
a criança envolta no casaco. Solta um grito de alivio dizendo:
- Meu filho, vocês mataram ele pra mim. Muito obrigado,
agora posso voltar para onde minha família está e juntos descansaremos e
esquecer este pesadelo.
-Senhor nós não matamos ninguém. Disse Agenor com criança
ainda no colo.
-Então adeus amigos. Diz o velho. Mas antes quero dizer que,
esta casa é amaldiçoada, uma vez comprada, não consegue se desvencilhar dela,
não importa o que faça, então com o tempo descobrirá que única maneira de acabar
com todo o tormento, é fazendo o que eu fiz. E então desapareceu
Parte 4
O enterro ocorreu no dia
seguinte, com missa pelas almas e um sepultamento simples. A cidade estava em
polvorosa, devido as últimas descobertas, a população estarrecida e confusa, a
principal violência que ocorria ali era roubo de galinha e briga por causa de
cachaça ou chifre, geralmente os dois jutos. Não havia um cristão que ouvira
falar que aquele sítio teve algum morador há pelo menos trinta anos antes de
Agenor, Anna e seus filhos. Segundo Agenor ele o corretor não entraram em
detalhes, que apenas se cansou da cidade grande e então resolveu comprar uma chácara,
ou coisa parecida no interior.
Depois de uma longa conversa com Agenor,
o padre decidiu que ele e sua família poderiam retornar para propriedade, que
com o enterro e consequentemente com o descanso daqueles almas atormentadas,
sua casa estava livre daquelas ameaças, e que em uma semana o padre os
visitariam pra ver como estavam.
Passada uma semana como o
combinado, Cesariano em sua charrete vai visitá-los, ao se aproximar da
porteira o padre sentiu calafrios, temendo de novo que o cavalo se
atormentasse, prevendo o pior. Desceu ressabiado, abiu a porteira, montou de
novo e seguiu, em frente à casa desceu novamente, a foi em direção a porta de
entrada. Aliviado ela pensou “graças a Deus, tudo certo”. A porta estava encostada, abriu, entrou, não
viu ninguém, então deu um grito:
-O de casa! Tem alguém ai?
Não obtendo resposta resolve dar
uma vasculhada, foi quando percebeu que uma aba da porta do
celeiro estava aberta, decidiu ir até lá. Conforme desceu em direção ao
celeiro, começa a sentir batedeira e a suar frio. Em frente a porta,
vagarosamente espiou por detrás da aba fechada, conforme enfiou cabeça a dentro
sua expressão se transforma em pleno terror, Agenor, Ana e seus filhos enteavam
todos enforcados, quatro corpos pendurados pelo pescoço cada um a uma corda,
suspensas, amarradas a vigas do celeiro. Idêntico a família do velho.