quarta-feira, novembro 25, 2020

Um dia como todos os outros

 

Lá estão...  Seu sítio e ele, um casamento perfeito, são rústicos, sombrios e de aparência aterrorizante.

Ali existe uma grande bica construída de pedras e madeiras, abaixo dela fica um picarnel suspenso em pedras nas extremidades de uma represa e acoplado a ele um gerador, que com a pressão da queda d’água o faz girar e acionar o mecanismo no qual gera energia e captação de água pra toda a propriedade.

Ás sombras das arvores da represa está o seu casebre fúnebre, construído e decorado com madeira, palha, ossos, peles e crânios humanos.

Neste dia como todo o outro neste lugar, a tarde nublada começa ir embora às oito horas, dando lugar a uma noite fria, cortada pelos gelados zunidos do vento, acompanhados por periódicas pancadas de chuva. Ao fundo relâmpagos dançam no horizonte, dando ao local uma aparência pulsante e estremecedora.

Sentado em um banco em seu quintal. Está afiando o seu machado, como quem afaga os cabelos de uma pequena, gosta do som metálico causado pelo atrito entre a lima e a lâmina, lhe agrada ver fio cada vez mais cortante, tudo isso o euforiza, o excita a atmosfera nebulosa da propriedade.

Testa seu machado em alguns galhos de árvores, separa troncos que servirão de combustível para seu fogão. A lâmina está perfeita, dá os últimos retoques e está pronta.

Agora dentro de sua choupana macabra prepara o que chama de coquetel, uma substância que dentre outras coisas é a base de pinga, destilada arcaicamente por ele mesmo, e sangue, por último espreme limão e vira de um trago só.

Então junta ar no peito e grita o mais alta que pode: “Eu cultuo o ódio, o desespero, a desesperança, o medo e a desolação. Eu não gosto de ninguém, não gosto de nada que ande, rasteje, voe, respire ou faça fotossíntese, eu não gosto de nada, eu não gosto de ninguém eu amaldiçôo o Céu e o Inferno, subjugo Deus e o Satanás”. Empunha novamente seu machado, e sai para mais um dia de matança.

Age nos subúrbios e periferias da cidade. Estupra tortura, espanca e por fim mata a machadas toda pobre alma que cruza seu caminho, sempre pessoas vulneráveis dominadas pela pobreza, portadores de uma vida miserável que perambulam pela noite em busca de seus piores vícios. Mendigos, maltrapilhos, bêbados, drogados, prostitutas... A cada a cada soco, a cada chute, um insulto, a cada machadada joga uma maldição. Com a certeza de que irão todos direto para o inferno sofrer eternamente. Ao voltar traz consigo pedaços de carne humana.

De volta à propriedade, reúne uma porção dos troncos cortados e ascende o seu grande fogão a lenha, tempera a carne e a coloca dentro de uma panela com água... Refeição a mesa, o banquete está servido, come com uma fome voraz toda carne em poucos minutos. Pega um caderno escondido atrás de uma tábua, abre e relata todo o seu dia ali, principalmente a carnificina.

João este é seu nome, desde que herdará a propriedade de seu pai, vivia só no sítio, sem contato com parentes ou amigos. Fui o delegado encarregado de sua prisão. Apreendi seu diário e percebi com os depoimentos e o seu caderno de anotações, ou diário, seja o que for, que João enquanto escrevia gostava ter a sensação de estar revivendo cada momento do seu dia, por isso detalhava no presente seus feitos, como se estivessem acontecendo novamente. Em seu estilo escrevia seus relatos em terceira pessoa, dando a falsa impressão de que fosse apenas um mero observador.

Então abri seu caderno de anotações em uma página qualquer e comecei a ler: “Lá estão...  Seu sítio e ele, um casamento perfeito, são rústicos, sombrios e de aparência aterrorizante...”

quinta-feira, novembro 19, 2020

A propriedade

 

A Propriedade

Parte 1

Debaixo de uma pesada chuva o cavalo relinchava e evitava veemente a entrar na propriedade. Enfrente a porteira já aberta, Empinava e debatia as pernas no ar, fazendo chacoalhar toda a charrete. Nela estavam, o padre com seu grande crucifixo a vociferar:

- Vá de retro Satanás, Jesus está aqui, ele te manda ir embora, o sangue do senhor tem poder.

Acompanhado do capataz Nestor que empunhava uma espingarda e Agenor, o proprietário. Depois de muito transtorno, desistiram de tentar convencer o cavalo a seguir, decidiram descer e ir a pé.

                Era uma casa grande, antiga, rústica, toda pintura manchada pelo tempo, a chuva e o sol. Eram três da madrugada quando já estavam porta adentro, uma grande sala oval iluminada apenas pela luz de um lampião, se projetava a frente. Tudo era muito silencioso, exceto pelo barulho da chuva, que a essa altura desabava. Enfim o silêncio é quebrado por Agenor, e apontando para uma janela sussurrou:

-Foi ali, que apareceu.

- Era um velho você me disse? Perguntou o Padre.

- Sim, com uma espessa barba branca. Completou Agenor.

- Bem, por hora só poderemos benzer e esperar que não reapareça, Nestor pegue a água benta.

                Parecendo entrar em um transe, o Padre rezava algo que parecia ser em latim, e jogava água por todo entorno da sala com seu aspersório.

- Foi no quarto da frente que ele apareceu hoje. Balbucia Agenor.

Então segue para o quarto e repete a operação, depois reproduz o processo por toda casa. Pega seu crucifixo entrega a Agenor e diz:

- Coloque-o no centro da casa.   

Parte 2

                Dormiam tranquilamente como em qualquer outro dia na casa do sítio recém comprado, já era tarde da noite quando foram acordados por grandes estalos vindos do teto, intercalados por alguns segundos, depois os intervalos foram diminuindo, e logo todo o teto da velha casa estava estremecendo violentamente. Agenor e Anna, apressadamente saem correndo apavorados pelo cômodo, quando avistam no canto do quarto a figura do velho, entraram no quarto das crianças e as tiraram da cama com pressa, ao passarem pela sala para saírem da casa veem de novo a forma do velho na janela da grande sala oval. Agenor corre ao paiol, retira a charrete apressadamente, muito rápido acopla a um dos cavalos, todos agitados, sobe a mulher e os filhos, e dispara em direção a cidade.

 Rasgam as estradas de terra sugando toda a energia do animal. Ao entrarem no povoado se encaminham direto para a cassa paroquial localizado aos fundos da pequena igreja da cidade. Eram vários dormitórios individuais divididos entre padres, diáconos, noviços e outros membros da igreja, do outro lado ficava o dormitório feminino. O último era o quarto do Padre Cesariano, Mon. Senhor da vila. Batem apavoradamente em sua porta. Quando a porta se abre, ainda sonolento o Padre boceja:

-O que foi filhos?

- Aconteceu de novo padre. Diz Anna apressadamente.

- O velho, o telhado, tudo de novo. Complementa Agenor.

- Entrem, por favor.

Cesariano acendeu o lampião e pediu para se sentarem. Era um pequeno cubículo, mas havia um sofá espremido no canto, onde sentaram-se. Então O padre em voz baixa e muito sério Diz:

-Tem algo aqui, sentado na cama, posso sentir. Quem é você?

- A corda. Responde uma voz tuberculosa.

Agenor e Ana estavam quase em estado de choque, completamente pálidos.

-Que corda? pergunta rispidamente Cesariano.

- Eu segui eles, sabia que viriam aqui. Padre me ajude, preciso enforcar o pequeno John, retruca a mesma voz. Preciso de paz.

Após um período de silêncio:

- Acho que ele se foi, espere, não vá agora. Não está mais aqui. Anunciou o Padre.

                Atônitos, Agenor e Anna se entreolharam, depois fixaram em Cesariano, esperando algum comentário. Este apenas Falou:

-Vamos até suas terras Agenor. Anna e as crianças ficam, vamos você, eu e o capataz, chame-se Nestor, vou chama-lo.

Saiu pela porta e pouco depois volta com um negro forte, de uns quarenta anos. Se apresentam. Então Nestor perguntou com sua simploriedade caipira:

- Tem fantasma lá.

- Não seja rude, não vê que que sua família sofre. Alerta o padre.

- Discurpa. Diz sem jeito.

Se acomodam na charrete e partem para o sítio, em vinte minutos estavam na entrada da propriedade, o cavalo pula esbraveja mas, não ultrapassa a linha da porteira de forma alguma. Algo o impede de entrar. Nestor pega a espingarda, o padre aperta o crucifixo contra o peito, Agenor todo cagado (metaforicamente) e descem da charrete.

Parte 3

Agenor colocou o crucifixo no canto da sala pendurado em um prego, onde calculou mais ou menos o que deveria ser o centro da casa, como o indicado pelo padre. “Vamos benzer o lado de fora” informa cesariano. Se encaminha direto para o paiol, rezando e jogando água, benze suas extremidades e apontando para uma benfeitoria a sua frente perguntou:

- É um celeiro?

- Sim, o corretor disse que precisa de reparos, como mudamos pra cá fazem poucos dias, não tive tempo de olha-lo ainda. Então sugere “vamos lá”.

Com algum esforço conseguiram abrir a porta emperrada do celeiro. Ao entrarem não ponderam acreditar no horror que viram, um fedor inconcebível tomava conta do ambiente, fazem força para não vomitarem, quatro corpos pendurados pelo pescoço cada um a uma corda, suspensas, amarradas a vigas do celeiro.  Todos enforcados, em estado de putrefação com bigatos e varejeiras. Pasmo o Padre analisa:

-Este de ser o velho barbudo. Diz apontando para um corpo mais robustos, ainda podia se distinguir a sua barba. E continua:

-E Este. Apontando para um outro. Provavelmente sua mulher, e esses dois menores seus filhos.

-Meu Deus! O Que vamos fazer? Fala Agenor visivelmente atordoado.

- Acho que podemos resolver seu problema Agenor, se retirarmos esses corpos e dermos um enterro descente a essas pobre almas, poderão descansar em paz e se desapegarem deste mundo. Um sonoro e raivoso “Não” surgiu no fundo do celeiro, ao olharem na direção viram a forma do velho, uma figura embasada, realmente não era desse mundo.

-Preciso enforcar o pequeno John, mas não consigo achar minha corda.

-Quem é John? Pergunta o padre.

- meu filho caçula só falta ele.

-Como vai matá-lo se você já está morto.

- Ele também precisa descansar, preciso acabar com esses tormento.

-você enforcou todos eles?

-Onde diabos está a minha corda, só preciso encontrá-la e ir buscar o John. Diz o velho com amargura e sem responder a pergunta.

- Onde está John? Arrisca o Padre.

- Fugiu para mata, sempre se escondendo aquele moleque. Resmunga o velho.

 

                Então, ao se encaminharem o para a pequena mata que ficava a uns cem metros da casa, o padre falou “Quem essa gente? Será que alguém os conhece? não sabia que a antiga propriedade do velho Yago havia sido vendida antes vocês comprarem, pelo o que eu saiba, ela estava abandonada havia pelo menos trinta anos antes de vocês comprarem”. Ao adentarem percebem que ali é praticamente uma mata fechada, intocada e de difícil o acesso. Com dificuldade vasculharam a área, após cerca de vinte minutos. De repente Agenor deu um grito chamando os outros. A sua frentes estava caído no chão o corpo de uma criança, também em putrefação. “Vamos leva-lo” diz o Padre, Agenor se apressa, tira o seu casaco envolveu a criança, e voltaram ao celeiro.

                Ao entrarem no celeiro, percebem que o velho ainda estava ali, ao ver os três mais a criança envolta no casaco. Solta um grito de alivio dizendo:

- Meu filho, vocês mataram ele pra mim. Muito obrigado, agora posso voltar para onde minha família está e juntos descansaremos e esquecer este pesadelo.

-Senhor nós não matamos ninguém. Disse Agenor com criança ainda no colo.

-Então adeus amigos. Diz o velho. Mas antes quero dizer que, esta casa é amaldiçoada, uma vez comprada, não consegue se desvencilhar dela, não importa o que faça, então com o tempo descobrirá que única maneira de acabar com todo o tormento, é fazendo o que eu fiz. E então desapareceu

Parte 4

O enterro ocorreu no dia seguinte, com missa pelas almas e um sepultamento simples. A cidade estava em polvorosa, devido as últimas descobertas, a população estarrecida e confusa, a principal violência que ocorria ali era roubo de galinha e briga por causa de cachaça ou chifre, geralmente os dois jutos. Não havia um cristão que ouvira falar que aquele sítio teve algum morador há pelo menos trinta anos antes de Agenor, Anna e seus filhos. Segundo Agenor ele o corretor não entraram em detalhes, que apenas se cansou da cidade grande e então resolveu comprar uma chácara, ou coisa parecida no interior.

Depois de uma longa conversa com Agenor, o padre decidiu que ele e sua família poderiam retornar para propriedade, que com o enterro e consequentemente com o descanso daqueles almas atormentadas, sua casa estava livre daquelas ameaças, e que em uma semana o padre os visitariam pra ver como estavam.

Passada uma semana como o combinado, Cesariano em sua charrete vai visitá-los, ao se aproximar da porteira o padre sentiu calafrios, temendo de novo que o cavalo se atormentasse, prevendo o pior. Desceu ressabiado, abiu a porteira, montou de novo e seguiu, em frente à casa desceu novamente, a foi em direção a porta de entrada. Aliviado ela pensou “graças a Deus, tudo certo”.  A porta estava encostada, abriu, entrou, não viu ninguém, então deu um grito:

-O de casa! Tem alguém ai?

Não obtendo resposta resolve dar uma vasculhada, foi quando percebeu que uma aba da   porta do celeiro estava aberta, decidiu ir até lá. Conforme desceu em direção ao celeiro, começa a sentir batedeira e a suar frio. Em frente a porta, vagarosamente espiou por detrás da aba fechada, conforme enfiou cabeça a dentro sua expressão se transforma em pleno terror, Agenor, Ana e seus filhos enteavam todos enforcados, quatro corpos pendurados pelo pescoço cada um a uma corda, suspensas, amarradas a vigas do celeiro. Idêntico a família do velho.

segunda-feira, março 12, 2012

Sobre o absurtos

            O blog absurtos não é um site destinado a nada cult e tampouco erudito. Os temas aqui tratados são histótias (na grande maioria de terror) populares,  por vezes inventadas e outras adaptadas, não se trata no entanto de recontar história já existentes e sim novas, de caráter descompromissado.